Você liga na TV Justiça e parece que está assistindo a uma peça de Ariano Suassuna. Você não entende absolutamente nada. (Foto: CNJ/ Flickr/Divulgação)
Eliana Calmon conhece o Judiciário como poucos, e, dentre estes, é a única a se manifestar sem dubiedade e com veemência. Nos dois anos em que foi a Corregedora Nacional de Justiça (2010 a 2012), bateu de frente com o corporativismo no Judiciário. Foi nessa época que ela cunhou a expressão que insiste em se manter atual: ‘bandidos de toga’.
A desembargadora aposentada, que, hoje, atua em seu escritório de direito tributário e contencioso em Brasília, afirma que o Partido dos Trabalhadores, para defender interesses sindicais, aparelhou a Justiça do Trabalho, inchando seus custos e criando distorções. A seguir, trechos da entrevista.
A Justiça trabalhista custa em torno de R$ 8 bilhões por ano, enquanto o valor de todas as causas gira ao redor de R$ 4 bilhões. Como sair desse contrassenso?
A Justiça do Trabalho foi aparelhada pelo PT. Eu vi de perto esse aparelhamento. Isso começou a acontecer no momento em que houve aquela ideia de acabar com a Justiça do Trabalho, e isso ia contra os interesses do sindicalismo, porque o grande e fiel escudeiro do sindicalismo é a Justiça do Trabalho. Eles viram que nenhum país civilizado tem uma Justiça do Trabalho. Então, começaram a criar conflitos e a largar o maior número de processos. Na época, aprovou-se uma lei: a cada mil processos, você criava uma vara – não sei se revogaram isso, mas estava lá. Eu era corregedora e vi isso acontecer.
Qual foi a sua reação?
Na ocasião, fiz um levantamento do custo da Justiça do Trabalho e dos aumentos de varas que estavam em andamento lá e levei ao Advogado-Geral da União. A Presidência precisava tomar conhecimento daquele absurdo. A Justiça do Trabalho já estava estourando sua verba em mais de 50% por causa desse aumento absurdo. Mas perdeu-se o controle, nunca se tomou uma providência. Quando comecei a emperrar, eles conseguiram no Congresso (por causa da bancada do sindicato) que isso não passasse mais pelo CNJ. Vi nascer esse descontrole.
Que tipo de situação é possível ver hoje?
É uma Justiça louca. Uma pequena fábrica de polpa de fruta tem quatro empregados. Um empregado entra na Justiça do Trabalho e o empregador tem uma condenação para pagar R$ 300 mil? Este pequeno empresário nunca viu e nem sabe o que são R$ 300 mil. Como é que ele vai tirar, de uma fabriqueta de fundo de quintal, R$ 300 mil para pagar? É impossível. Então ele desmancha a fábrica, tudo que ele tem ele paga, e ainda fica inadimplente. Isso ocorre aos milhares.
Há anos se fala em produtividade e meritocracia, mas os tribunais continuam morosos e burocratizados. Com o aumento da insegurança jurídica (real ou percebida) nos últimos anos, a senhora acha que o Judiciário está retrocedendo?
O que ocorre é que existe um aumento de reivindicações para o Judiciário, mas ele continua julgando da mesma forma que julgava antes. Você liga na TV Justiça e parece que está assistindo a uma peça de Ariano Suassuna. Você não entende absolutamente nada. Temos um grande ministro, sério, intelectual, que é o ministro Celso de Mello, o decano, muito respeitado. Mas ele não tem nenhum pudor de dar um voto de duas, três horas. Na era do WhatsApp, da internet, onde se tem acesso a todo conteúdo do voto, não é possível você chegar no plenário e dizer que vai ler 500 folhas.
O STF está envolto em controvérsias, tem gerado imensa insegurança jurídica e é cada vez mais visto pela sociedade como um órgão tão corrupto quanto o Congresso Nacional. Os ministros do Supremo entendem quão mal eles estão sendo avaliados pela sociedade?
Eles não fazem ideia do mal que estão fazendo a este país, porque não é possível que não tenham a percepção do que eles significam para a sociedade. O modelo que foi posto na Constituição de 1988 para o STF foi de poder absoluto: eles são capazes de colocar em xeque o presidente da República, o Congresso Nacional, e isso não é pouca coisa. O legislador constitucional adotou esse modelo por entender que era no poder Judiciário, que é o poder moderador, onde residia a maior segurança. Só que, de uns tempos para cá, há essa politização do Judiciário, em que eles são chamados todas as vezes que o Congresso Nacional não cumpre seu papel. Judiciário em Minas: Benefícios para servidores do setor custarão mais de R$ 90 milhões por ano.
Acerca das declarações, a Anamatra e o Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho do Brasil emitiram nota conjunta classificando de “mentirosa” a afirmação de Calmon de que a JT estaria aparelhada.
Veja a nota na íntegra.
Nota pública
A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) e o Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho do Brasil (Coleprecor), entidades representativas de mais de 4 mil Juízes do Trabalho e dos vinte e quatro Tribunais Regionais do Trabalho de todo o País, respectivamente, vêm a público manifestar seu veemente repúdio às recentes declarações da Ministra aposentada Eliana Calmon, no que tange à composição da Justiça do Trabalho e à isenção de seus magistrados. E assim repudiam, nos seguintes termos.
1. É mentirosa a afirmação de que a Justiça do Trabalho estaria “aparelhada” por determinado partido político de expressão nacional. As indicações do Tribunal Superior do Trabalho dão-se por prerrogativa do Presidente da República e dependem de aprovação pelo Senado da República, como determina o art. 111-A da Constituição – exatamente como se deu, aliás, com a própria Min. Eliana Calmon, que amealhou, à altura, os apoios políticos que quis e lhe aprouveram, alguns muito criticados, sem merecer, da Justiça do Trabalho, qualquer reparo público, pelo respeito que o Superior Tribunal de Justiça merece e sempre merecerá da Magistratura do Trabalho.
2. Os cargos da Magistratura do Trabalho no primeiro grau de jurisdição, por sua vez, são providos por concursos públicos de provas e títulos, sem qualquer possibilidade de “aparelhamento”. E são esses os magistrados que mais tarde integram os Tribunais Regionais do Trabalho, por antiguidade ou merecimento, ao lado dos desembargadores oriundos do chamado quinto constitucional (esses provenientes da Advocacia e do Ministério Público do Trabalho).
3. As declarações da Sra. Eliana Calmon, emitidas de forma irrefletida e desrespeitosa, causam perplexidade, ora pela total desconexão com a realidade – a Alemanha e a Inglaterra, p. ex., possuem Justiça do Trabalho como ramo judiciário autônomo (e supostamente são países “civilizados”) – , ora pelos seus próprios termos, representando agressão gratuita e leviana à dignidade das instituições judiciais trabalhistas e à seriedade e profissionalismo de todos os juízes do Trabalho brasileiros, independentemente das suas respectivas visões do mundo e do Direito. A diversidade de pensamento no âmbito de um ramo judiciário não pode placitar críticas irresponsáveis e preconceituosas, como as de hoje, sob pena de agredir a própria independência técnica dos magistrados.
4. A ANAMATRA e o COLEPRECOR servem-se desta nota pública para se solidarizar com os ministros do Supremo Tribunal Federal – igualmente agredidos ao final da entrevista – e com toda a Magistratura do Trabalho. Servem-se dela, ademais, para desagravá-los, augurando o respeito recíproco e republicano entre os diversos ramos e instâncias do Poder Judiciário.
Brasília, 16 de julho de 2018.
GUILHERME GUIMARÃES FELICIANO
Presidente da Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra)
WILSON FERNANDES
Presidente do Colégio de Presidentes e Corregedores da Justiça do Trabalho do Brasil (Coleprecor)
Com Estado de Minas e Migalhas